O comportamento de consumo é diariamente moldado por novidades tecnológicas e eventos sociais. Apesar de fatores como facilitação de crédito, equilíbrio da taxa SELIC e estabilidade política serem essenciais para um ano mais positivo no varejo, ocorrências subjetivas têm moldado os desejos e hábitos do consumidor, além de serem pontos mais fáceis de serem previstos e incluídos num bom planejamento para 2024.
Em 2023, encaramos o final da pandemia, fazendo o retorno à vida presencial, resgatando hábitos e nos preocupando novamente com o individual depois de anos perdendo nossa personalidade dentro de nossas casas. O sentimento de auto-indulgência e resgate do indivíduo esteve em alta. Sentimos a necessidade de sermos vistos e respeitados como únicos.
Apesar desse processo de personalização, tivemos constantes lembretes de que vivemos como um organismo completo e complexo, e que eventos coletivos sempre irão impactar nossas vidas, seja através de crises climáticas ou questões de políticas internacionais.
Assim, o coletivo se torna um problema do indivíduo e vemos a crescente preocupação com questões ambientais e um consumidor mais responsável ecológica e socialmente, fatos que foram amplamente percebidos pelo mercado, que respondeu com maiores investimentos em ESG.
Não podemos deixar de mencionar o avanço tecnológico como uma tendência para 2024, em especial a A.I., que teve crescimento exponencial no ano anterior. Com início no chatGPT e assistentes de texto, a inteligência artificial está ganhando a simpatia tanto de consumidores quanto de empresas, e perdendo aos poucos o preconceito apocalíptico que tinha na virada do milênio.
Grandes gigantes do mercado, como Google e Microsoft, lançaram seus assistentes de A.I., com períodos de testes abertos ao público que teve oportunidade de interagir, criar imagens e perder o medo dessa tendência que mostra sua força para ser uma aliada no varejo.
Com esse cenário em vista, propomos uma análise das principais tendências que veremos em 2024 e como elas se conectam com você e com o planejamento de sua empresa para o próximo ano.
Coexistência do físico e digital
O fortalecimento do e-commerce ocorreu durante a pandemia de COVID-19, devido aos protocolos de distanciamento social e fechamento dos pontos de vendas por meses. A única alternativa para as empresas manterem-se no jogo foi o investimento em vendas online, fosse através de plataformas próprias ou por meio de marketplaces.
O boom do digital aconteceu a passos largos nesses últimos três anos, segundo a FGV, no período pré-pandemia, 49,7% das empresas vendiam seus produtos exclusivamente no meio físico. Atualmente, essa participação é de apenas 29%.
Apesar de vermos algumas lojas importantes fechando as portas, como a Renner, que no primeiro semestre de 2023 fechou 20 pontos de venda, vemos também que o movimento foi feito em total alinhamento com a digitalização da empresa. Ao mesmo tempo, a marca conseguiu aumentar 29% de participação das vendas online em seu faturamento. A estratégia hoje é clara: maior eficiência.
Dentro dos hábitos de consumo, vemos que a jornada do cliente não segue um padrão somente físico ou digital, pois eles se cruzam e se complementam, fazendo com que phygital se torne cada vez mais uma realidade, através de estratégias como compra por QRcode e guide shops, por exemplo.
O phygital nada mais é do que uma maneira eficiente do cliente usufruir de todos os benefícios do físico, como o atendimento exclusivo e análise ao vivo do produto, mas com mordomias que só o online pode oferecer.
Inteligência Artificial e Análise de Dados
Para garantir compras personalizadas e indicações que levem em consideração as necessidades do consumidor, vivemos a evolução do Big Data e a real aplicação dos dados coletados na jornada de compra. Segundo projeção do Gartner, a previsão é que, até o final de 2026, 80% das empresas já tenham incluído A.I. em seu modelo de gestão.
Diferente do metaverso, tendência que assolou o mercado entre 2020 e 2022, a A.I. tem uma função mais clara no varejo: aprender com nosso comportamento e trazer soluções personalizadas. As aplicações da inteligência artificial no varejo são vastas e podem cobrir desde previsões do mercado até ajudar no ranqueamento de produtos em buscadores orgânicos.
Para o alinhamento da ferramenta às redes sociais, a A.I. pode ser ainda mais eficiente, uma vez que se teria acesso a dados de hábitos do consumidor, cedidos pelas plataformas, e poderia alinhar à sua própria base de dados do cliente, fazendo recomendações cada vez mais certeiras.
Uma questão ainda importante a se observar é a resistência que o consumidor está ganhando em relação à inteligência artificial e a necessidade de ter foco na transparência e seguir as práticas da LGPD.
Em estudo global da Salesforce com mais de 14 mil respondentes, a empresa aponta uma queda de confiança do consumidor em relação à A.I., em especial ao uso dos dados coletados: apenas 13% dos pesquisados confiam plenamente que as empresas fazem uso ético desta tecnologia.
Entender as boas práticas ao se usar inteligência artificial é um dever de cada empresa que pode ajudar o consumidor a se sentir mais tranquilo. Ainda citando a pesquisa da Salesforce, 89% dos respondentes consideram de extrema importância saberem quando estão falando com atendentes humanos ou bots. Ter o cliente como foco, respeitar as regras da LGPD e criar um benchmark de exemplos a serem seguido são primordiais ao estabelecer a A.I. em sua empresa.
Descrição de produtos no e-commerce
Dando continuidade aos tópicos anteriores de tendências de crescimento no varejo online, entramos no tema de descrição de produtos e otimização de imagens com um propósito claro: potencialização das práticas de SEO.
O SEO (sigla de Search Engine Optimization) tem sido a pedra no sapato e o pote de ouro dos grandes varejistas: ao mesmo tempo que a prática ajuda a alavancar os resultados orgânicos nos buscadores e potencializar os investimentos de mídia, as recorrentes mudanças no algoritmos tornam essa ciência uma constante busca pela evolução, uma vez que os buscadores nunca são completamente honestos sobre todas as práticas a serem seguidas.
Uma das ferramentas já disponíveis no mercado é a AI Einstein, da Salesforce, que promete análise profunda de dados com soluções que vão desde previsões de mercado até entregar o desconto ou benefício que cada cliente está mais propício a engajar, mas também auxilia na identificando palavras-chave relevantes e tags para maximizar a visibilidade dos produtos.
É nessa evolução das práticas de SEO que a A.I. pode ser de extrema importância, pois ao observar padrões ela propõe melhoramentos assertivos, como otimizar os descritivos de texto e assets imagéticos, inclusive propondo otimizações para cada cliente.
Autoatendimento
Realizar compras sem a ajuda de um atendente pode já ter soado frio e robótico, mas atualmente é visto como uma estratégia que alinha conveniência e agilidade. O modelo de negócio nasceu como herança do distanciamento social e necessidade de diminuir a quantidade de equipes atuantes presencialmente, mas se solidificou por meio de nova roupagem e tecnologias avançadas.
As práticas de auto-atendimentos podem ter custos variados, sendo possível se ajustar ao orçamento de cada empresa. A intenção não são investimentos gigantescos, mas pensar no cliente e em suas necessidades para tornar a vida mais simples. As tecnologias utilizadas podem ir de simples softwares em devices já existentes, até a construção de totens de atendimento.
A cafeteria The Coffee foi uma desbravadora do nicho “grab-and-go” criando um conceito de auto-atendimento simples através de um tablet com software personalizado, pelo qual o cliente escolhe seu produto e faz o pagamento digitalmente. Por fim, o toque humano: um barista prepara sua bebida com grãos selecionados e uma torrefação própria. O resultado é uma cadeia de sucesso, que bateu de frente até mesmo com a americana Starbucks, roubando share of market. Atualmente, a pretensão da rede The Coffee é chegar a 500 unidades até o final de 2024.
O auto-atendimento tem ido muito além dos mercados de conveniência e essenciais, entrando em um dos nichos mais “elitizados” e de difícil penetração, a moda. O mundo fashion sempre foi tradicional em sua construção no ponto de venda: vitrines atualizadas semanalmente, provadores preocupados com a boa iluminação e uma equipe de vendedores que reflete a personalidade da marca. Mas um item tem chamado a atenção e até atraído consumidores: o self-checkout.
Um exemplo é trazido pela pelo marca brasileira Renner, que hoje se usa da tecnologia para diminuir o tempo de espera em longas filas e tornar o processo mais ágil. Já são mais de 180 lojas da varejista que contam com o self check-out e em seu último relatório de investidores mostra que os totens de autoatendimento representam 37,6% das vendas das lojas que possuem esses dispositivos.
Usar o autoatendimento a seu favor é uma tarefa que exige observação e entendimento do cliente, e pode ser uma solução criativa e econômica.
Personificação da Experiência
Ter o cliente em foco é a chave para entender a personificação, uma vez que é um conceito amplo que pode abranger desde o próprio produto até toda a jornada de compra. A intenção aqui é perceber onde essa individualização da compra pode ocorrer e como ela irá se adaptar a cada empresa.
São diversos os níveis de automação que podem ser utilizados para personalizar a jornada do cliente, mas sempre deve-se partir de um ponto inicial: os dados. Independente se você irá seguir por uma estratégia de CRM, com réguas de personalização com base em compras, ou indicações in-store, será necessário convencer o cliente a ceder informações sobre sua vida e preferências de compras. Mas como conseguir chegar nesse nível de convencimento?
A boa notícia é que cada vez mais os consumidores estão aptos a trocar informações por vantagens, desde que todo o processo envolva transparência. Logo começar com um bom plano de CRM que inclua uma moeda de troca é essencial. Com os dados pessoais em mãos, devemos combiná-los às preferências e desejos de compras, para assim, termos uma personalização completa.
Um exemplo interessante é a varejista fashion Zara que se usa da wishlist de seus aplicativo para trabalhar sua persuasão de compra dentro do ponto de venda. O que a fast-fashion espanhola faz é simples, mas tentador: através do geolocalizador, quando o cliente abre seu aplicativo próximo de uma de suas lojas, ele já mapeia quais produtos da lista de desejos estão disponíveis no estoque. Esse facilitador faz com que o cliente possa seguir direto para o provador.
Níveis mais simples de automação também podem ser utilizados, inclusive sendo possível se utilizar da A.I. como estratégia para identificar oportunidades de relacionamento, reconhecer as diferentes jornadas de compra de cada consumidor e entender quais alavancas promocionais devem ser usadas, como programas de fidelidade, cashback ou descontos diretos via cupom.
Quando falamos de personalização de compras as opções são infinitas, desde que sempre se mantenha as necessidades do cliente no centro.
Social commerce e live commerce
Atualmente o Brasil é o terceiro país que mais utiliza redes sociais, segundo levantamento da Comscore. Entre as redes mais acessadas estão, respectivamente, YouTube (96,4%), Facebook (85,1%) e Instagram (81,4%). Ao todo são 131,5 milhões de usuários conectados no país.
Com um público tão grande, investir em redes sociais deixou de ser uma opção para se tornar uma obrigação, uma vez que as redes se tornaram o primeiro lugar que o cliente busca informações sobre um produto ou marca. Todavia, há já quase uma década as empresas utilizam as plataformas para as etapas de descoberta e de consideração dentro do funil de compras, a aposta da vez é como trabalhar a conversão do produto de maneira “orgânica”.
Catálogos indexados e tags de produtos são uma realidade cada vez mais incentivadas pelas redes. Um bom post não tem apenas uma imagem ou vídeo esteticamente agradável, com produto em destaque e uma legenda bem descrita com hashtags, deve ter também a possibilidade de compra com um clique. Mas como evoluir para tornar as compras num verdadeiro entretenimento?
Na pandemia vimos uma prática nova ganhando força, as lives. Com toda uma sociedade presa dentro de suas casas, inclusive os artistas e influenciadores, o meio artístico teve que se manter relevante e encontrou a solução em transmissões em redes sociais e no apoio das marcas.
Com isso, foi percebido que conteúdos de longa duração e com aprofundamento são bem aceitos pelos usuários e, aos poucos, as marcas deixaram de lado o conteúdo cultural para focar no produto.
Um exemplo é a marca Riachuelo, que mensalmente traz liveshops de 1h de duração, com convidados de suas redes de afiliados (micro influenciadores), mostrando novidades e disponibilizando cupons de desconto para garantir o bom faturamento da ação.
Embora seja nas redes sociais que a Live Commerce viu seu nascimento, muitas empresas estão já trabalhando essa migração para suas próprias plataformas, a fim de tirar atritos no processo de compra e abrir possibilidade de incremento de vendas.
Tal exemplo é a Shopee, uma precursora da estratégia, que na sua última grande ação de Dia do Solteiro (Single’s day, comemorado em 11.11 na China) produziu uma transmissão ao vivo de 12 horas seguidas, que gerou mais de 10 milhões de views e 80 milhões de likes totais.
“A ferramenta de live na plataforma foi lançada em março de 2022. O estímulo começou com a própria Shopee, mostrando do consumidor ao vendedor como o live commerce pode garantir uma compra mais assertiva. Além disso, descontos, cupons e outras ações também fortaleceram o formato”, Rodrigo Farah, head de Marca e Live Commerce da Shopee em entrevista exclusiva ao E-Commerce Brasil.
Sustentabilidade e ética
Preocupação com o meio-ambiente e responsabilidade social são temas que fazem cada vez mais parte do cotidiano. Segundo pesquisa conduzida pela Manhattan Associates e divulgada pelo E-commerce Brasil, no média global 13% dos consumidores consideram a sustentabilidade como prioridade ao escolher uma marca para comprar, já no Brasil esse número sobe para 25%.
Não é de se surpreender que um país de território tão vasto e com tanta biodiversidade esteja de olho nas consequências de um modelo de consumo destrutivo. Mas como incorporar ideais de sustentabilidade e ética no varejo?
A sigla ESG (inglês, Environmental, Social e Governance), refere-se a uma resposta das empresas frente aos desafios da sociedade, é uma iniciativa que busca mensurar resultados das empresas aliados às preocupações sociais, ambientais e de governança.
Entender os impactos ambientais, sociais e governamentais das empresas é essencial, independente de seu tamanho. Estamos falando de ações que incluem: conhecer bem seus fornecedores, ter um quadro de funcionários diversos em relação a idade, etnias e condições sociais, o uso de fontes de energia renováveis pela empresa, gestão de resíduos, transparência de gestão e muito mais. O conceito de ESG deve ser intrinsecamente ligado a cada setor das empresas e sempre monitorado.
A Natura é um exemplo de empresa que constrói toda sua personalidade de marca em cima dos princípios de sustentabilidade e responsabilidade social, gerando até mesmo relatórios anuais em sua página de investidores. No último report disponível, de 2022, a gigante do mercado de beleza relatou ter sido responsável pela conservação de 2 milhões de hectares de floresta na região amazônica (environment), ter 53% de mulheres em posições de liderança na Natura&Co (social) e ter 99% dos colaboradores remunerados dentro do parâmetro de salário digno (government).
Vemos também a preocupação social e ambiental gerando novas oportunidades no mercado em proporções menores, mas com alto potencial. Palavras como “upcycle”, “moda circular” e “reutilização” ganharam forças. Não é mais apenas sobre descartar corretamente, mas, sim, sobre dar nova vida aos produtos.
Novos modelos de negócios pautados exclusivamente dentro dos pilares de preocupação ambiental e social tem se fortalecido. É o caso do crescimento dos brechós, que hoje são uma resposta ao consumo consciente. Como exemplo, temos a rede de franquias Peça Rara, que deve fechar o ano de 2023 com 140 unidades e um faturamento esperado de R$190milhões.
Por fim, percebemos que o varejo brasileiro está em constante evolução, e as tendências para 2024 mostram que o consumidor está cada vez mais exigente e atento a questões como sustentabilidade, personalização e experiência.
As empresas que desejam se destacar no mercado precisam estar preparadas para atender a essas demandas, sem perder sua essência e sempre com foco no cliente.
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